quinta-feira, 24 de abril de 2008

Festa na senzala

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel Cristina Leopoldina de Bragança, em nome de seu pai, D. Pedro II, sancionou a Lei Áurea e colocou um fim na escravidão no Brasil. Cento e vinte anos depois a realidade não é muito diferente


Nihara Pereira - niharap@gmail.com
Rubenilzo Monteiro - nilmuniz@gmail.com

Quase 120 anos após a libertação dos escravos no Brasil a realidade não mudou muito. Desde 1995 o Ministério do Trabalho e Emprego já libertou mais de 27 mil pessoas através dos chamados “grupos móveis”, considerado o principal instrumento de combate à escravidão e responsável por ter transformado o Brasil em referência internacional nessa área. Blitz são feitas de surpresa, geralmente motivadas por denuncias anônimas. Só em 2007, os números somam nada menos que 5.877 pessoas libertas, o que confirma que o problema é mais atual que nunca.
Essa realidade, muitas vezes, só vem à tona através da “Lista Suja”
, um temido cadastro realizado pelo MTE e que pública os nomes de empregadores flagrados na prática desse crime. Regulamentado pela portaria de 540/2004, a lista é atualizada a cada seis meses e as informações ficam disponíveis no site do ministério e lá permanecem por pelo menos dois anos, quando voltam a ser fiscalizadas e avaliadas. Caso as os problemas sejam resolvidos durante esse período, seu nome pode enfim ser retirado do cadastro.
A última atualização soma mais 189 nomes de pessoas físicas ou jurídicas flagrados praticando o crime. É o caso da Pagrisa – Pará Pastoril e Agrícola S.A
produtora de etanol localizada no município de Ulianópolis, há 390 quilômetros da Belém (PA), flagrada em 30 de julho de 2007, com mais de mil trabalhadores em situação escravagista.
Na ocasião, a Organização Mundial do Trabalho (OIT) disse em nota que essa foi a maior operação desse tipo já feita no Brasil, onde cerca de 160 locais de trabalho clandestinos foram encontrados pelas autoridades nos últimos anos. "As condições degradantes são sempre as mesmas. Nada, senão palha para se cobrir, sem banheiro, sem lugar para guardar comida. É um ciclo que se repete com pequenas variações", disse um porta-voz do grupo de combate ao trabalho escravo do governo.
A empresa negou o fato, porém, os trabalhadores disseram que a Pagrisa começou a recrutá-los cerca de seis meses atrás. Migrantes nordestinos costumam ser contratados para trabalhar em lavouras amazônicas. Normalmente, eles pagam pelo transporte até as distantes plantações e então ficam escravizados por dívidas, já que precisam comprar alimentos e ferramentas a preços exorbitantes cobrados pelos patrões.
Com a inclusão da usina na “Lista Suja”, Petrobras, Esso e Texaco, por serem signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, anunciaram a interrupção de suas compras de etanol, em volume aproximado de 5 milhões de litros mensais, até que o caso se esclareça. “Sem essa receita, corremos o risco de fechar”, diz Marcos Zancaner, um dos proprietários da usina. De acordo com o Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
, instituições financeiras signatárias deveriam cortar o crédito de clientes autuados pelo Ministério do Trabalho.
Na ocasião, o senado aprovou a criação de uma comissão
liderada pelo Senador Flexa Ribeiro, para visitar a empresa e verificar in loco as acusações do grupo móvel e chegaram a afirmar que a acusação era exagerada e que a realidade era outra, o que gerou uma crise entre o Congresso e o Planalto, fazendo com que Ruth Vilela, chefa da Secretaria Inspeção do Trabalho, suspendesse por quase um mês as fiscalizações no meio rural, como forma de chamar atenção para as críticas da comissão. Esse foi o primeiro episódio em que os políticos utilizaram sua influência para ajudar empresários insatisfeitos com a Lista Suja.
Porém, para explicar como alguém vai parar na “Lista Suja”, é preciso esclarecer o que caracteriza a escravidão nos dias de hoje. Os escravos não são pessoas que apenas fazem expediente além do horário ou que não tem carteira assinada. Geralmente, essas vítimas, são pessoas pobres, analfabetas, e muitas vezes sem documentos pessoais, que buscam a ‘incrível oferta de emprego’ oferecida pelos agenciadores de mão-de-obra, os “gatos”, que atuam principalmente nos municípios pobres do Maranhão, Tocantins, Piauí e Pará. Eles vão parar em latifúndios localizados na área conhecida como ‘fronteira agrícola amazônica’, onde a mata nativa é devastada para ceder terreno a empreendimentos agropecuários.

A Realidade
O dia-a-dia é duro, e o trabalho do lavrador serve não só para pagar a comida. Os maços de cigarro para distrair e os litros de cachaças para aliviar a dor vão acabando com o salário miserável, e no fim do mês os papéis se invertem, é o empregado que deve ao patrão. O escravo contemporâneo não tem como comemorar, pois eles são privados de sua liberdade, seja por seguranças armados ou pela distancia entre o latifúndio e a cidade mais próxima. O que resta como solução é trabalhar, fugir ou rezar para que fiquem vivos.
Foi o que aconteceu com Cláudio dos Santos Pontes, 34 anos, em 2006. Após trabalhar por 90 dias na Fazenda Cristalina, em São Felix do Xingu, Sul do Pará, conseguiu um acordo trabalhista de R$1.400 na Vara do Trabalho de Redenção. Junto com o acordo um aviso: "Você vai pegar esse dinheiro, mas não vai desfrutar dele". Foi o que ouviu o trabalhador rural, de Francisco de Araújo, dono da Fazenda.
Dois meses após a sentença, o lavrador levou três tiros de um pistoleiro. Conseguiu sobreviver e fugir da cidade às pressas com sua família. Acontecia naquela região mais um acerto de contas feito pela justiça paralela do sul do Pará, a justiça dos fazendeiros.
Segundo a Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo), criada em 2003 para acompanhar e fiscalizar a implantação do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, a escravidão contemporânea é diferente da antiga, mas rouba a dignidade do ser humano da mesma maneira. Ela não faz diferença se a pessoa é negra, amarela ou branca.
Os escravos são miseráveis sem distinção de cor ou credo. Entretanto, a nova escravatura ainda possui resquícios da antiga, pois continua mantendo a ordem por meio de ameaças, terror psicológico, coerção física, punições e assassinatos. Outra característica da escravidão moderna está no porte econômico dos escravagistas. Ao contrario do que poderiam pensar muitos desses são grandes empresários, pessoas de posses que simplesmente buscam o lucro cada vez maior e o mínimo de gastos possível.
A soma da pobreza generalizada com a impunidade dos crimes, cria condições favoráveis para que as práticas de escravização sejam estabelecidas, transformando o trabalhador em objeto de um sistema falho, que funciona às vistas da sociedade em geral, inclusive das autoridades competentes.
Em entrevista cedida ao Jornal O Globo, em setembro de 2006
, Elda Machado, advogada conhecida por defender os lavradores no escritório da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em Tucumã, a 100 quilômetros de São Félix do Xingu, falou da situação a qual se encontravam os trabalhadores que lutavam por seus direitos naquele ano; “aqui, os inquéritos policiais são mal elaborados, mal conduzidos e acabam não dando em nada. Se você tem dinheiro, você manda. Os trabalhadores são aliciados pelos gatos e ameaçados de morte ainda durante o período de trabalho, para que não tenham coragem de brigar por seus direitos. Cuido do caso de um trabalhador, seu Domingos, que foi dispensado e, ao tentar acertar as contas, ouviu do patrão: "Quanto vale a sua vida e de sua família? É o que você tem a receber", explica.
Trabalhadores como Cláudio, seu Domingos e milhares de outros espalhados pelo Brasil, continuam reféns da justiça paralela imposta por latifundiários da região. Pessoas pobres com famílias inteiras vivem à sombra de seus opressores, empresários protegidos por ‘jagunços’ fortemente armados, que executam impiedosamente quem tenta receber pela força de trabalho.
A certeza da impunidade é um dos principais fatores para que esses produtores continuem agindo assim. Até hoje, a única solução encontrada para tentar para educá-los é expor seus nomes em uma “Lista Suja” e fazer com que isto cause prejuízos aos seus bolsos.

Links de outros sites consultados:
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=4
http://www.reporterbrasil.com.br/conteudo.php?id=4
http://www.ufpa.br/beiradorio/arquivo/Beira22/opiniao.htm
http://www.cut.org.br/site/start.php?infoid=10574&sid=6
http://www.reporterbrasil.com.br/clipping.php?id=52
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/10/03/materia.2007-10-03.8932150340/view
http://br.youtube.com/watch?v=tuT7tIALthA
http://64.233.169.104/search?q=cache:VpHP3Uc2tQ0J:www.lustosa.net/noticias/107084.php+situa%C3%A7%C3%A3o+do+trabalho+escravo+brasil+2008&hl=ptBR&ct=clnk&cd=18&gl=br
http://www.lustosa.net/noticias/107084.php
http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=30817
http://64.233.169.104/search?q=cache:udZexF4mGY0J:www.observatoriosocial.org.br/dwnload/er6bx.pdf+trabalho+escravo&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=8&gl=br
http://www.reporterbrasil.com.br/
http://www.mte.gov.br

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