quinta-feira, 24 de abril de 2008

Um cenário em (des)Construção

Angélika Freitas

"A violência doméstica é um problema universal que atinge milhares de pessoas, em grande número de vezes de forma silenciosa e dissimuladamente".

É só folhear o jornal, abrir uma página da web ou zapear os canais de televisão que ela está ali: nua, crua e cada vez mais chocante. A violência no país ultrapassa os limites dos assaltos e seqüestros relâmpagos e chega às casas, destrói famílias e faz com que todos se perguntem: "O que está acontecendo com nossa sociedade?"

Nossas páginas policiais estão cada vez mais recheadas de "Marielmas" e "Izabelas". São crimes que mesmo desvendados ainda nos deixam a sensação do "porque?"
Nos últimos anos, a sociedade brasileira entrou no grupo das sociedades mais violentas do mundo. Hoje, o país tem altíssimos índices de todo o tipo de violência, e infelizmente uma grande parcela corresponde à violência domestica.

Só neste inicio de ano, os casos de violência domestica em território nacional dobraram e estamparam as principais manchetes dos jornais. Crimes, que vem atingindo principalmente crianças. Como é o caso do mais recente e polêmico que chocou mais uma vez o país. Uma menina de 05 anos, Isabella Nardoni, foi espancada e asfixiada na própria casa e, em seguida, arremessada do sexto andar de um prédio em São Paulo, os principais suspeitos são o pai e a madrasta.

Segundo o Ministério da Saúde, as agressões constituem a principal causa de morte de jovens entre 5 e 19 anos. A maior parte dessas agressões são constatadas em ambiente doméstico. A Unicef estima que, diariamente, cerca de 53 mil crianças e adolescentes sofram algum tipo de violência domestica no Brasil. Os acidentes e as violências domésticas provocam 64,4% das mortes de crianças e adolescentes no País, segundo dados de 2004.
Dados do Lacri (Laboratório de Estudo da Criança) revelam que 159.754 crianças de até 14 anos foram vítimas da violência doméstica no país nos últimos oito anos. A maioria dos casos, 65.669, é de negligência. A violência física vem em segundo lugar com 49.482 registros, seguida da violência psicológica, com 26.590 e sexual com, com 17.482 casos.
E, casos como estes, vão muito além do que a mídia pode nos mostrar. Cada vez mais entidades, instituições e Ongs vêm procurando respostas e soluções a estas questões. Segundo uma pesquisa preliminar, da Universidade de São Paulo (Unifesp), 20% de crianças vítimas de espancamentos, asfixia, pontapés ou queimaduras, resultando em lesões ou fraturas “são Isabellas clandestinas”, que, segundo o estudo, por causa de suas condições sociais não são transformadas em notícia.
O jornalista Gilberto Dimenstein é o responsável pela primeira pesquisa, feita pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), já realizada sobre violência doméstica dentro das casas, e os dados conseguidos até agora são baseados somente nos que chegam até a hospitais e repartições públicas. O jornalista deparou-se com a decepção de que: apenas uma pequena parcela desses casos é denunciada. “Daí a importância do estudo da Unifesp, feito de casa em casa, no qual se revela, com mais precisão, o tamanho da epidemia da violência familiar”, afirma Dimenstein. Para ele “a resultante óbvia desses dados é que um plano de segurança tem necessariamente de envolver programas de educação da família, com visitas de assistentes sociais às casas, além de ampliação da rede de creches, sobretudo nas periferias. Esse tipo de ação mostra resultados animadores, como se registra no programa modelo de primeira infância no Rio Grande do Sul, no qual uma assistente social é responsável por 25 famílias. É uma alternativa mais barata às creches”, afirma em recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
Para a professora de Psicologia Social da Faculdade Integrada do Recife, Alda Batista de Oliveira, o país inteiro fala do caso Isabella por ser de classe média alta. Mas episódios de agressões e até de mortes acontecem nas famílias pobres com freqüência e não chegam à sociedade com a mesma dimensão. E, quando chegam, são sempre atribuídos à carência financeira, à miséria, à falta de educação.
E o “porque” na maioria dos casos, seja em uma família de classe média ou baixa, parece ser revelado.Segundo pesquisa do Instituto Herdeiro do Futuro (IHF), que realiza trabalho social com crianças vitima de violência domestica em São Paulo, 92% dos casos atendidos pela entidade, foram provocados por pais que sofreram algum tipo de violência na infância.
Só o IHF, já atendeu mais de 200 casos em apenas um ano de atividade e revela ainda que 50% das famílias são atingidas por violência física e os outros 50% violência sexual.
A grande preocupação gira em torno da falta de apoio a estas famílias, já que se trata de uma situação conhecida como “bola de neve”: "O agredido transforma-se em agressor, ou seja, isso vai passar de pai para filho, e assim por diante", afirma Rosemary Naomi, psicóloga do IHF.
A palavra chave nos casos de violência é “desrespeito”. Desrespeito ao próximo, desrespeito social, econômico e até judicial. A violência não se trata de uma ação e sim uma reação seja ela motivada pelo outro ou com razões mais gerais, como o ambiente em que o sujeito é exposto. A não ser em casos de desequilíbrio psicológico, a violência pode ser interpretada como “uma tentativa de corrigir o que o dialogo não foi capaz de resolver”, como o Portal Da Psiquiatria defende.
A certeza que fica é de que cada vez mais o medo assola o país. Chegou à hora da sociedade repensar seus valores, princípios e objetivos. Trata-se de uma reestruturação de raiz. E agora? Como reverter esse quadro? Já que ele tende a cada vez mais piorar. A quem recorrer? Já que as ferramentas quem tem sido usada são totalmente superficiais. Não adianta o governo apostar todas suas fichas em segurança, se a real ferida da sociedade não for diretamente identificada e combatida. O que fazer se já nem mais na família, se pode confiar?
BOX
As faces mais comuns da violência

Para entender a violência doméstica, deve-se ter em mente alguns conceitos sobre a dinâmica e diversas faces da violência doméstica, como mostra o Lacri (Laboratório de Estudos da Criança):

Violência Física
Violência física é o uso da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São comum murros e tapas, agressões com diversos objetos e queimaduras por objetos ou líquidos quentes. Quando a vítima é criança, além da agressão ativa e física, também é considerado violência os atos de omissão praticados pelos pais ou responsáveis.

Violência Psicológica
A Violência Psicológica ou Agressão Emocional, às vezes tão ou mais prejudicial que a física, é caracterizada por rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito e punições exageradas. Trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida.

Violência Verbal
A violência verbal normalmente se dá concomitante à violência psicológica. Alguns agressores verbais dirigem sua artilharia contra outros membros da família, incluindo momentos quando estes estão na presença de outras pessoas estranhas ao lar. Em decorrência de sua menor força física e da expectativa da sociedade em relação à violência masculina, a mulher tende a se especializar na violência verbal mas, de fato, esse tipo de violência não é monopólio das mulheres.
Por razões psicológicas íntimas, normalmente decorrentes de complexos e conflitos, algumas pessoas se utilizam da violência verbal infernizando a vida de outras, querendo ouvir, obsessivamente, confissões de coisas que não fizeram. A violência verbal existe até na ausência da palavra, ou seja, até em pessoas que permanecem em silêncio.

Quem Denuncia a Violência Doméstica
Na maioria dos casos de arquivamento dos processos, ele parte de uma intervenção da própria agredida, que chega a mudar seu depoimento, quando o processo já está correndo na Justiça. A dependência emocional, mais que a econômica, é que faz a mulher suportar agressões. Isso acontece mesmo quando uma boa parte desses casos tem origem em algo muito mais sério do que pequenas rusgas familiares.
Alguns dados ajudam a traçar um perfil da mulher agredida em casa:
- 50% têm entre 30 e 40 anos,
- 30% têm entre 20 e 30 anos.
- 50% o casal tinha entre 10 e 20 anos de convivência e,
- 40% entre um e dez anos.
- 40% dos casais se separam depois da queixa
- 60% continuam a viver conjugalmente.


Fontes:

Instituto Herdeiros do Futuro (http://www.raf.com.br/noticia/ri591002.aspx)
Instituto de Psicologia – Ponta do Iceberg 200 http://www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/iceberg.htm
Psiqueweb – Portal Da Psiquiatria
http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?sec=99
http://www.andi.org.br/noticias/templates/clippings/template_infancia.asp?articleid=21127&zoneid=2
O Globo - www.oglobo.com.br
Unicef - http://www.unicef.org.br/
Fonte do saber - http://www.fontedosaber.com/direito/a-violencia-domestica.html

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